
A Ford acaba de abandonar um dos projetos mais ambiciosos de sua história recente: o desenvolvimento de uma nova arquitetura elétrica e eletrônica que funcionaria como o “cérebro digital” da próxima geração de veículos da marca.
A plataforma, chamada internamente de FNV4, era vista como essencial para que a empresa competisse em pé de igualdade com nomes como Tesla e Rivian, oferecendo EVs mais eficientes, conectados e lucrativos.
No entanto, segundo reportagem da Reuters, o projeto foi encerrado por conta de custos crescentes e atrasos significativos no cronograma.
A decisão pode ter consequências profundas no desenvolvimento de futuros produtos da marca, como uma nova geração da picape elétrica F-150 Lightning.
De acordo com fontes internas, a Ford já começou a comunicar discretamente alguns funcionários sobre o cancelamento do projeto, utilizando inclusive um vídeo interno para explicar os motivos por trás da mudança de direção.
O porta-voz da montadora confirmou à Reuters que a empresa está agora focada em melhorar sua arquitetura atual, aproveitando o que foi aprendido com o desenvolvimento da FNV4.
“Estamos comprometidos em entregar experiências de veículos totalmente conectados em toda a nossa linha, independentemente do tipo de motorização, enquanto muitos outros na indústria concentram a tecnologia mais avançada apenas nos modelos elétricos”, afirmou a empresa.
O problema é que, diferente das startups de mobilidade que começaram do zero com sistemas modernos e integrados, a Ford — como outras montadoras tradicionais — tem que lidar com uma colcha de retalhos tecnológica herdada de décadas de relacionamento com fornecedores.

Cada sistema, como bancos com ajuste elétrico, por exemplo, costuma vir com seu próprio módulo e software controlado pelo fornecedor, o que torna a integração entre os componentes um verdadeiro pesadelo.
O próprio CEO da Ford, Jim Farley, abordou essa dificuldade em seu podcast em 2023.
“Temos cerca de 150 módulos eletrônicos com semicondutores espalhados pelo carro. O problema é que o software desses módulos é escrito por 150 empresas diferentes e eles não conversam entre si. Então, mesmo que tenha o logotipo da Ford no carro, eu preciso pedir permissão para a Bosch para mudar o software de controle do banco”, revelou.
Essa realidade fragmentada tem sido um dos maiores obstáculos para montadoras tradicionais na corrida da digitalização automotiva.
A Volkswagen, por exemplo, também enfrentou problemas parecidos com sua divisão de software, a Cariad, que causou atrasos em projetos importantes como os veículos elétricos do Audi Artemis e do VW Trinity.
A situação foi tão crítica que a VW acabou firmando uma joint venture com a Rivian na tentativa de acelerar sua transição digital.
Na Ford, a decisão de abandonar o novo sistema FNV4 mostra uma guinada pragmática.
Em vez de insistir em uma arquitetura própria e cara, a empresa deve apostar no aperfeiçoamento de soluções já existentes — mesmo que isso limite, em parte, sua capacidade de oferecer atualizações por software mais sofisticadas e controle total dos recursos embarcados.
Em um mercado cada vez mais digital, essa escolha pode ser arriscada, mas também pode evitar mais prejuízos a curto prazo, num momento em que a Ford busca eficiência e rentabilidade em meio à desaceleração das vendas de EVs.

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