Cada vez mais pessoas nos EUA estão vivendo em motorhomes por não conseguirem pagar aluguel

A moradia nos Estados Unidos vem passando por uma transformação silenciosa, mas profunda.

Enquanto os preços de casas e aluguéis seguem em alta e a renda média estagnada já não acompanha o custo de vida, milhares de famílias estão trocando casas por trailers — não por estilo de vida, mas por necessidade.

Dados recentes apontam que mais de 486 mil pessoas vivem atualmente em trailers (RVs) no país, mais que o dobro do registrado em 2021, segundo a RV Industry Association.

Já o Census Bureau identificou que cerca de 342 mil americanos vivem em trailers, vans ou barcos, um aumento de 41% em apenas quatro anos.

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E a tendência não é alimentada por nômades digitais ou aposentados abastados cruzando os Estados Unidos com conforto.

Na maioria dos casos, segundo reportagem da NBC, são famílias de baixa renda, com filhos, que viram no trailer a única alternativa viável após perderem suas casas.

O custo médio de aluguel em muitas regiões urbanas ultrapassa os US$ 1.500 por mês, enquanto a renda líquida de quem ganha por hora mal cobre as despesas básicas.

Para escapar do aluguel impagável, da ameaça de despejo e das longas filas por moradias populares, famílias estão optando por comprar trailers usados, estacionando em acampamentos pagos ou em terrenos públicos gratuitos — mesmo sem infraestrutura adequada.

Nos acampamentos, os desafios são diversos. Os espaços costumam ser limitados, os banheiros coletivos precários e as regras rígidas: a maioria só permite estadias de até 14 dias.

Quando não há dinheiro para pagar um camping com eletricidade e água encanada, muitas famílias estacionam em áreas federais remotas, onde precisam improvisar para tomar banho, lavar roupas e preparar alimentos com recursos mínimos.

A vida sobre rodas exige adaptação constante. Com trailers de 15 a 20 metros quadrados, não há espaço para privacidade.

Muitas famílias dormem em camas improvisadas, com pertences empilhados em caixas plásticas, e cozinham em fogões pequenos, muitas vezes sem geladeira ou chuveiro funcionando.

O acesso à internet também é limitado, o que dificulta a educação de crianças que estudam remotamente.

Para algumas pessoas, viver em trailer tem permitido pagar dívidas ou economizar. Há quem enxergue benefícios, como o contato maior com os filhos ou a sensação de comunidade com outros moradores de trailers.

No entanto, essa realidade traz riscos e incertezas. Como não são projetados para uso contínuo, os trailers sofrem desgaste rápido, gerando despesas com consertos — muitas vezes fora do orçamento.

Além disso, diferentemente de uma casa, um trailer desvaloriza com o tempo, o que torna difícil recuperar o investimento.

Outro desafio é lidar com o clima. Em regiões sujeitas a invernos rigorosos, calor extremo ou inundações, os trailers não oferecem a mesma segurança de uma casa tradicional.

Tragédias recentes mostraram como parques de trailers inteiros podem ser devastados por desastres naturais, deixando seus moradores ainda mais vulneráveis.

O fenômeno reflete uma erosão cada vez maior da classe média americana. Trabalhadores que antes viviam com relativa estabilidade — prestadores de serviços, cuidadores, professores, até pequenos empresários — agora enfrentam dificuldades para manter um teto fixo.

Muitos são obrigados a vender móveis, se desfazer de lembranças e reduzir sua vida a algumas caixas para caber em um trailer.

Apesar da precariedade, há também relatos de aprendizado e fortalecimento de laços familiares. Crianças que antes passavam o dia em frente a telas agora passam mais tempo ao ar livre. Pais e filhos dividem espaços minúsculos, mas se redescobrem como núcleo familiar.

Ainda assim, a escolha não é romântica. Para a maioria dessas famílias, viver em um RV não é sinônimo de liberdade, mas sim de sobrevivência.

É o reflexo direto de uma crise habitacional que não dá sinais de trégua e que atinge justamente aqueles que trabalham, pagam impostos, mas que foram deixados à margem do sistema.

Enquanto o debate sobre habitação acessível segue distante das políticas públicas efetivas, cresce o número de lares sobre rodas cruzando os Estados Unidos — não por escolha, mas por falta de alternativas.