
Na cidade de Lethbridge, na província de Alberta, bem distante dos grandes centros automotivos do Canadá, a concessionária Westwind Honda começou a perceber um fenômeno incomum: cada vez mais clientes estão perguntando de onde vem o carro que pretendem comprar.
Segundo o gerente de vendas Rueben Van der Merwe, até poucos meses atrás ninguém ligava para isso.
Mas com o ex-presidente Donald Trump se preparando para impor novas tarifas sobre importações automotivas — inclusive contra o Canadá —, o país de origem do veículo virou um fator decisivo para muitos consumidores.
“Vários clientes vieram aqui, perguntaram sobre o carro e tomaram a decisão de compra unicamente pelo fato de ele ter sido fabricado no Canadá”, disse Van der Merwe. A mudança repentina tem gerado um verdadeiro burburinho no showroom da loja.
“As pessoas estão refletindo: ‘Onde estou gastando meu dólar canadense? Estou apoiando meu país ou outro?’”

O movimento em favor de produtos fabricados no Canadá tem ganhado força em diversas frentes. Consumidores estão deixando de comprar alimentos vindos dos EUA, cancelando serviços de empresas de tecnologia americana e até desistindo de viagens ao país vizinho.
No setor automotivo, Honda e Toyota parecem bem posicionadas para surfar essa onda. A Honda, por exemplo, fabrica dois de seus principais modelos — Civic e CR-V — em suas plantas em Alliston, Ontário.
A Westwind Honda já planeja intensificar sua campanha destacando o selo “made in Canada” e espera que metade das vendas no curto prazo venha motivada por esse apelo nacional.
A Honda Canadá, por sua vez, já trabalha há anos reforçando a imagem de montadora local, e não pretende mudar sua estratégia. “Sempre promovemos com orgulho nossos veículos montados em Ontário. Isso não é algo novo para nós”, afirmou Ken Chiu, porta-voz da marca.

Hoje, o Canadá abriga dez fábricas de montagem de veículos, todas em Ontário, responsáveis por cerca de 1,4 milhão de unidades produzidas em 2024.
Entre elas estão unidades da Toyota (RAV4 e Lexus), Honda (Civic e CR-V), Stellantis (minivans Chrysler e o novo Dodge Charger Daytona), GM (Silverado e vans elétricas BrightDrop) e Ford (com a planta de Oakville atualmente em reestruturação).
Somando as fábricas de veículos e de autopeças, estima-se que o setor empregue 100 mil pessoas na província.
Para Robert Karwel, diretor da J.D. Power Canadá, o clima atual é diferente de outras campanhas patrióticas do passado. “Isso está presente em todos os aspectos da nossa vida.
Pode realmente motivar as pessoas a agir.” Ele acredita que Honda e Toyota têm muito a ganhar, principalmente por oferecerem utilitários compactos — um segmento ainda subatendido no mercado canadense.

“Se essas duas montadoras dissessem que vão redirecionar mais 10 ou 15 mil unidades para o Canadá em vez dos EUA, o mercado canadense conseguiria absorver.”
No entanto, ele alerta que mesmo os carros montados no Canadá não estão imunes a aumentos de preço.
Cerca de metade das peças utilizadas nas fábricas canadenses vem dos Estados Unidos, o que significa que novas tarifas de retaliação poderiam impactar diretamente o custo de produção. Karwel projeta um aumento médio de cerca de 6 mil dólares no preço final dos veículos.
Já Daniel Ross, gerente sênior da Canadian Black Book, reconhece que a etiqueta “feito no Canadá” pode influenciar na decisão de alguns compradores, especialmente se isso representar economia.
Mas ele também destaca que muita gente nem sabe onde o carro foi fabricado, o que limita o impacto real do movimento. “Gostaria de dizer que vamos todos priorizar carros canadenses e boicotar os americanos, mas não sei se é isso que vai acontecer.”
Um caso à parte é a Tesla, que tem enfrentado forte resistência no Canadá. A proximidade entre Elon Musk e o ex-presidente Trump gerou protestos, queda de popularidade e exclusão da marca de programas de incentivos federais e provinciais.
A própria imagem pública da Tesla vem sendo afetada, com manifestações em frente a concessionárias e críticas nas redes sociais.
Outras marcas americanas também podem sentir o impacto. Uma pesquisa feita pela AutoTrader com 645 canadenses mostrou que 47% reconsiderariam sua compra por causa das tarifas, e 29% migrariam de marcas americanas para estrangeiras.
Tudo isso pode provocar efeitos profundos na indústria automotiva do país. Em 2024, o Canadá foi o maior importador global de veículos fabricados nos EUA.
Mais de 40% dos carros vendidos no país foram montados em solo americano — cerca de 750 mil veículos, totalizando dezenas de bilhões de dólares. Uma guinada nacionalista no setor pode mexer com toda a cadeia produtiva.
Procuradas pela reportagem, Toyota e Stellantis não quiseram comentar a questão. A GM Canadá também não respondeu.
Mas uma coisa já parece certa: com a tensão comercial crescendo, os canadenses estão começando a olhar mais atentamente para as etiquetas de origem antes de assinar o contrato de compra.

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