
No coração da capital etíope, Adis Abeba, uma revolução silenciosa está tomando as ruas.
Mesmo com quedas de energia recorrentes e infraestrutura precária, os carros elétricos estão se multiplicando no país que, até pouco tempo atrás, mal conhecia essa tecnologia.
A mudança foi drástica: a Etiópia se tornou o primeiro país africano a proibir a importação de veículos a combustão, apostando todas as fichas nos EVs.
Para Deghareg Bekele, arquiteto na casa dos 30 anos, a decisão de comprar um Volkswagen elétrico foi cercada de dúvidas.
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Mas apenas quatro meses depois, ele comemora o alívio de não precisar mais enfrentar filas de até três horas para abastecer, muitas vezes em vão. A escassez crônica de combustíveis tornou os EVs não só uma opção ambiental, mas uma necessidade prática.

A cena de carros elétricos se espalhando pela capital, segundo reportagem do The Guardian, parecia improvável até pouco tempo. Porém, com incentivos fiscais e o colapso do sistema de combustíveis, o mercado reagiu.
A marca chinesa BYD, que superou a Tesla em vendas globais, domina as ruas de Addis Abeba, embora modelos ocidentais também estejam presentes.
Atualmente, cerca de 115 mil veículos elétricos circulam pelas estradas etíopes, de um total de 1,5 milhão de carros no país.
Mas a transição não é isenta de contradições. Aproximadamente metade da população, estimada em 126 milhões, sequer tem acesso regular à energia elétrica.
E mesmo para os que estão conectados, cortes diários limitam o fornecimento.

Ainda assim, com a inauguração da gigantesca Hidrelétrica do Renascimento, a capacidade energética do país deve dobrar, o que dá fôlego à política verde do governo.
Segundo o vice-ministro dos Transportes, Bareo Hassen, a meta vai além do meio ambiente. A dependência de combustíveis importados custa cerca de 4,5 bilhões de dólares por ano ao país, uma cifra insustentável para uma economia frágil e com reservas cambiais limitadas.
Apostar na energia hidrelétrica local, que representa 97% da matriz elétrica, é uma forma de cortar gastos e reduzir a poluição urbana.
A economia de quem aderiu à nova tendência é significativa. Firew Tilahun, taxista na capital, conta que gastava mais de 20 mil birr mensais com gasolina, o equivalente a uns R$ 740. Hoje, com um EV chinês, seus custos não passam de 3 mil birr, ou R$ 110.

Mesmo com as quedas de energia, ele não pensa em voltar ao motor a combustão.
Apesar dos avanços, a infraestrutura ainda está engatinhando. Há pouco mais de 100 estações de recarga para todo o país, quase todas em Addis Abeba, enquanto o objetivo é ultrapassar 2.300 unidades.
Fora da capital, dirigir um EV é um risco: a escassez de energia é ainda mais severa e não há onde carregar o carro.
Lema Wakgari, executivo do setor de exportação de café, relata que seu BYD o atende bem no dia a dia, mas impede viagens mais longas, como uma escapada até Hawassa, a 285 km da capital.
Com autonomia de 420 km, ele teme ficar no meio da estrada sem alternativa. Para ele, a expansão da rede de recarga é urgente.
Além disso, não há planos concretos para eletrificar a frota de caminhões pesados que movimentam a economia, transportando mercadorias do porto em Djibouti. Esse gargalo pode comprometer o abastecimento nacional e expor vulnerabilidades logísticas nos próximos anos.
Mesmo assim, o clima entre os motoristas está mudando. Um executivo do setor de transporte por aplicativo, que inicialmente era cético quanto à durabilidade das baterias, acabou aderindo à nova onda.
Hoje, com um EV na garagem, ele afirma que sua visão mudou completamente. Acredita que, com tempo e investimentos, a Etiópia poderá se consolidar como um polo de mobilidade elétrica, mesmo em meio a tantos desafios.
O plano do governo é ousado: atingir meio milhão de veículos elétricos até 2030.
Mas para que isso ocorra, será preciso ir além das proibições e criar condições reais para que a tecnologia funcione em um país ainda às voltas com a instabilidade energética e a desigualdade no acesso à eletricidade.
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