Enquanto o sonho do carro elétrico ganha força na Europa, uma realidade menos glamourosa se impõe: os modelos urbanos acessíveis estão desaparecendo das ruas do continente.
O que antes era um segmento vibrante, com milhões de unidades vendidas anualmente, hoje luta para sobreviver.
E o vilão da vez não é a falta de interesse dos consumidores, mas sim o emaranhado de regulamentações que tornaram a produção de carros pequenos economicamente inviável.
Quem denuncia esse cenário são duas vozes de peso da indústria automotiva europeia: John Elkann, presidente da Stellantis, e Luca de Meo, ex-CEO da Renault.
Ambos fizeram um apelo direto aos legisladores da União Europeia para que repensem o atual modelo regulatório, defendendo a criação de uma nova categoria voltada especificamente para veículos elétricos compactos, os chamados “E-Cars”.
Elkann não poupou críticas. Ele afirmou que, enquanto o mercado europeu já chegou a vender cerca de 1 milhão de carros com preço abaixo de 15 mil euros por ano, hoje esse número despencou para meros 100 mil.
O executivo aponta o excesso de burocracia como a principal causa: “Estamos diante de mais de 120 novas regulamentações previstas até 2030. Um quarto dos nossos engenheiros trabalha exclusivamente para garantir conformidade. Isso não gera valor nenhum”.
A solução, segundo ele, pode estar do outro lado do planeta. Elkann propõe que a Europa crie sua própria versão dos famosos “kei cars” japoneses — pequenos, leves, econômicos e altamente populares no Japão, onde representam cerca de 40% do mercado.
Luca de Meo também se posicionou com firmeza. Em suas últimas declarações antes de deixar a Renault, ele classificou como um contrassenso ambiental o uso diário de SUVs elétricos com mais de 2,5 toneladas em ambientes urbanos.
Para o executivo, é urgente que países como França, Itália e Espanha liderem a “revolução dos compactos”, promovendo o desenvolvimento de veículos pequenos para deslocamentos urbanos e entregas de curta distância.
Ele defende que as regras atuais foram moldadas pensando em carros maiores e mais caros, o que inviabiliza a fabricação de modelos menores com margens de lucro aceitáveis.
“O que pedimos é uma regulação diferenciada para veículos compactos. Só assim conseguiremos viabilizar sua produção em larga escala”, afirmou.
Stellantis ainda resiste com algumas opções nesse nicho, como o Citroën Ami, o Opel Rocks-e e o Fiat Topolino — todos classificados como quadriciclos leves, uma brecha nas regulamentações da União Europeia.
No entanto, esse tipo de veículo está limitado por leis que restringem seu desempenho e utilidade prática.
Para muitos analistas, como os do centro de pesquisas automotivas Gerpisa, a única saída real é reformular completamente essas categorias ou criar uma nova definição legal para os “E-Cars”.
Enquanto a China avança agressivamente no mercado global com uma enxurrada de modelos elétricos baratos, a Europa parece enredada em suas próprias regras.
A sobrevivência dos carros populares pode depender menos da tecnologia e mais da coragem política de enfrentar um sistema que, ironicamente, torna inviável exatamente o tipo de carro que mais contribuiria para uma mobilidade urbana limpa, acessível e sustentável.

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