
Carlos Tavares foi, por anos, um dos executivos mais respeitados da indústria automotiva global. Visionário, disciplinado e implacável, comandou reviravoltas impressionantes como a reestruturação da Opel e o renascimento do Grupo PSA.
Mas seu ciclo como CEO da Stellantis — conglomerado formado pela união entre FCA e PSA — chegou ao fim de forma abrupta, confusa e repleta de sinais de crise interna.
Se ele saiu ou foi convidado a se retirar, ainda é motivo de debate. Mas há cada vez menos dúvidas de que a saída foi tudo, menos tranquila.
Em sua primeira entrevista desde o afastamento, Tavares falou à Bloomberg diretamente de sua fazenda em Portugal, onde agora dedica parte do tempo à produção de vinho do Porto.
Segundo ele, não houve demissão: sua saída foi fruto de um “acordo mútuo” com o presidente do conselho, John Elkann, após divergências sobre os rumos estratégicos da empresa.
No entanto, fontes próximas ao processo e o próprio histórico de declarações do grupo indicam que a versão oficial omite conflitos intensos.
A verdade é que Tavares perdeu espaço dentro da Stellantis.
Com críticas crescentes de concessionárias nos EUA — que se revoltaram contra o excesso de estoque de marcas como Jeep e RAM — e pressões internas lideradas pelo influente Henri de Castries, a permanência do CEO se tornou insustentável.
O conselho publicou um comunicado com o clássico tom diplomático francês, dizendo que “nas últimas semanas surgiram visões diferentes que levaram à decisão de hoje”. Tradução: foi demitido.
A escolha de Antonio Filosa como novo CEO confirma a guinada interna. Desconhecido do grande público, Filosa é um homem da casa, escolhido principalmente para tentar acalmar os ânimos nos Estados Unidos, onde está a base financeira mais lucrativa do grupo.
Já Elkann, neto do lendário Gianni Agnelli, assume de fato o controle do conglomerado — algo que Sergio Marchionne, arquiteto da fusão da Fiat com a Chrysler, jamais quis que acontecesse.
Marchionne, que morreu em 2018, era um estrategista com visão clara: fundir, extrair valor e, principalmente, tirar a família Agnelli do controle direto da operação.
Ele sonhava com um futuro onde o grupo seria ágil, lucrativo e independente. A criação da Stellantis, em 2021, foi exatamente o oposto: um Frankenstein corporativo com 14 marcas, culturas empresariais em conflito e pouca sinergia real.
Tavares topou a missão, talvez por ambição ou por acreditar que poderia repetir o milagre feito com a Opel. Mas a estrutura era ingovernável desde o início.
Tavares, agora aposentado com cerca de US$ 40 milhões no bolso, ainda lançou críticas veladas ao conselho e à forma como as decisões vêm sendo tomadas.
Reclamou de interferências e da resistência às mudanças necessárias para manter a Stellantis competitiva num cenário de eletrificação acelerada e pressão regulatória.
Enquanto isso, a Stellantis continua parecendo uma colcha de retalhos internacional: marcas que disputam espaço interno, decisões estratégicas travadas por disputas políticas e um mercado em transformação exigindo respostas rápidas.
Sem Tavares, não há nomes fortes à vista capazes de liderar o grupo com autoridade real. E numa indústria que passa por um dos períodos mais desafiadores de sua história, essa ausência de comando pode ser fatal.
No fim das contas, a saída de Tavares não foi apenas o adeus de um CEO. Foi o fim de uma geração de líderes industriais com coragem para fazer grandes movimentos, cortar na carne e assumir riscos.
Agora, resta saber se a Stellantis sobreviverá sem alguém disposto a comandar esse navio desgovernado — mesmo que fosse apenas para evitar que ele afunde.
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