
O abandono de diversos projetos elétricos pela Ford nos Estados Unidos não é apenas uma guinada estratégica: é o sintoma de um dilema profundo que atinge toda a indústria automotiva global.
Afinal, é possível — ou financeiramente viável — construir o mesmo carro para mercados com expectativas, regulamentações e incentivos completamente diferentes?
Na última segunda-feira, o CEO da Ford, Jim Farley, confirmou o cancelamento de diversos modelos elétricos e anunciou uma baixa contábil de US$ 19,5 bilhões em ativos ligados a EVs.
O movimento escancarou o que executivos já discutem nos bastidores: os Estados Unidos, após cortes de subsídios promovidos pelo governo Trump, se tornaram um mercado hostil aos elétricos.
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Enquanto isso, Europa e China continuam pressionando montadoras com metas rígidas de emissões e impulsionando as vendas de elétricos com forte apoio governamental.
Para as fabricantes, isso significa algo que parecia superado há 15 anos: desenhar e fabricar veículos diferentes para cada região, com plataformas e estruturas próprias — e custos muito maiores.
A filosofia “One Ford”, criada em 2009 por Alan Mulally, defendia justamente o oposto: carros globais, padronização de componentes e economia de escala. Agora, ela dá lugar ao “Many Fords”.
Segundo Farley, o consumidor americano deixou claro que não quer pagar pelos EVs que a Ford havia planejado. Sem incentivos, a conta simplesmente não fecha.

Ao mesmo tempo, a empresa precisa continuar oferecendo veículos elétricos na Europa e na China, onde o avanço da eletrificação é irreversível e marcas chinesas ganham espaço com rapidez.
Para reduzir os custos dessa nova realidade, a Ford recorre a parcerias. Fechou um acordo com a Renault para desenvolver EVs baratos para o mercado europeu e busca tecnologia chinesa para suas plataformas futuras.
Nos EUA, a montadora cancelou projetos como a van elétrica comercial e agora aposta em híbridos, cujo custo é menor e a aceitação do público, maior.
Farley confirmou que um dos poucos EVs mantidos é uma picape elétrica média, de cerca de US$ 30 mil, prevista para 2027. Projetada na Califórnia, ela mira diretamente em Tesla e BYD.
Mas essa será uma exceção em um portfólio que tende a priorizar modelos híbridos — especialmente os sem recarga externa — como forma de transição mais palatável para o público americano.
Hoje, 17% das vendas globais da Ford já são compostas por modelos eletrificados. A meta é chegar a 50% até 2030, mas se depender do comportamento do consumidor nos EUA, a maior parte disso será de híbridos, não elétricos puros.
Toyota, por exemplo, colhe os frutos de ter apostado nos híbridos desde o início e já vê esses modelos representarem metade de suas vendas no mercado americano.
Analistas apontam que a indústria voltou a enfrentar o velho dilema: ou as montadoras segmentam seus produtos por região e aceitam perder eficiência, ou correm o risco de não atender ninguém completamente.
A Ford, ao tentar atender mercados globais com os mesmos produtos, se viu pressionada por consumidores locais, mudanças políticas e uma equação financeira insustentável.
“Não temos tempo”, disse Farley. “Precisamos reagir como empresa global competindo contra chineses e outros players internacionais”.
O recuo da Ford nos EVs é, na prática, o fim da ideia de que um único modelo pode servir para o mundo todo — e o início de uma nova era, onde vencer no mercado global exigirá adaptação extrema às diferenças locais.
[Fonte: Reuters]
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