
No último dia 8 de fevereiro, publicamos aqui no Notícias Automotivas o caso do dono de um Jeep Cherokee, nos Estados Unidos, que começou a receber propagandas na central multimídia do veículo, oferecendo uma espécie de “plano de tranquilidade de manutenção”, chamado FlexCare Extended Care Premium.
O anúncio incentivava o uso da conexão Bluetooth do veículo para finalizar a compra no próprio momento.
Anúncios já são irritantes por si só, mas vê-los repetidamente dentro do próprio carro é ainda pior. De acordo com relatos em fóruns da Jeep e no próprio Reddit, esse problema acontece há anos e afeta vários modelos da marca.
A Stellantis, empresa-mãe da Jeep, reconheceu a falha, alegando que se trata de um erro técnico isolado que atinge menos de dez veículos nos Estados Unidos. No entanto, um porta-voz da montadora também admitiu que mensagens promocionais dentro dos carros não são incomuns.
Proprietários de modelos da Dodge, por exemplo, recebem um alerta cerca de 60 dias após a compra oferecendo o pacote de garantia Dodge Complete Performance.
A Stellantis afirma que, em média, os motoristas recebem duas mensagens por ano com informações sobre segurança, manutenção ou marketing.

Mas será que anúncios deveriam aparecer dentro de carros? Especialistas em segurança viária têm sérias dúvidas sobre essa prática, conforme mostra reportagem da revista Wired.
Com as montadoras cada vez mais focadas em transformar seus veículos em plataformas digitais conectadas à internet, a tentação de empurrar mais serviços e produtos aos motoristas pode ser irresistível.
Hoje, os carros novos contam com até 3.000 chips semicondutores que controlam desde a abertura dos vidros e ajustes dos espelhos até sistemas avançados de assistência à condução e conectividade com celulares.
Com essa tecnologia, os veículos se comunicam constantemente com as fabricantes, gerando uma troca contínua de dados. Segundo Mark Wakefield, da consultoria AlixPartners, o plano das montadoras é criar um ecossistema digital integrado, unindo serviços de mobilidade, aplicativos e conectividade para gerar novas formas de receita.
Isso permite que funcionalidades como a oferta de uma garantia estendida apareçam diretamente na tela do veículo, sem necessidade de levar o carro à concessionária.

Vender carros gera margens apertadas de lucro, mas vender serviços digitais não. A AlixPartners estima que o mercado global de serviços para veículos conectados valerá mais de 473 milhões de dólares este ano, representando 11% da receita da indústria automotiva.
Até 2032, esse número pode saltar para 1,68 bilhão de dólares, superando um quarto da receita total das montadoras.
Algumas dessas estratégias já deram certo. A General Motors faturou cerca de 2 bilhões de dólares no ano passado com o OnStar, seu serviço de segurança e entretenimento baseado em assinatura.
A empresa prevê que, no futuro, poderá arrecadar mais de 20 bilhões de dólares por ano com serviços digitais. Os consumidores já mostraram disposição para pagar por comodidades como aquecimento remoto do veículo ou integração com sistemas domésticos inteligentes.
Outras tentativas, no entanto, fracassaram. A GM teve que resolver um processo judicial com o governo dos EUA após ser acusada de coletar e vender dados dos motoristas sem consentimento.
Já a BMW causou revolta ao oferecer a ativação dos aquecedores dos bancos por meio de uma assinatura mensal em alguns mercados, como Reino Unido, Alemanha e Coreia do Sul.
A montadora foi obrigada a encerrar o programa após críticas generalizadas.
Esses episódios mostram que há um limite para a paciência dos consumidores em relação a serviços digitais e propagandas dentro dos carros.
Segundo Wakefield, enquanto os executivos de tecnologia das montadoras acreditam que esse ecossistema digital será aceito, os atendentes do serviço de atendimento ao cliente provavelmente têm uma visão mais cética.
O grande mistério é até quando os motoristas vão tolerar esses anúncios antes de recorrerem às redes sociais para reclamar – ou simplesmente trocarem de carro.
Além do incômodo, há preocupações com segurança. Especialistas alertam que qualquer notificação exibida na tela do carro pode ser perigosa. William Wallace, da Consumer Reports, considera “inaceitável” a falha da Jeep, pois distrações podem comprometer a atenção do motorista.
Estudos mostram que mensagens no sistema de infotainment podem prejudicar a condução, pois desviam o olhar da estrada, aumentando o risco de acidentes. Até mesmo ler uma mensagem curta em um semáforo pode afetar a concentração por vários segundos.
A Stellantis não respondeu aos questionamentos sobre os impactos dessas mensagens na segurança viária, e a National Highway Traffic Safety Administration, agência reguladora dos EUA, também se manteve em silêncio.
No entanto, a própria agência já havia publicado diretrizes há mais de uma década afirmando que qualquer mensagem que exija a leitura de mais de 30 caracteres pode comprometer a segurança do motorista.
Diante desse cenário, alguns especialistas defendem mudanças mais amplas na regulamentação dos veículos conectados. Nathan Proctor, da organização US Public Interest Research Group, sugere a criação de um botão obrigatório para desligar a conexão com a internet nos carros.
Segundo ele, os riscos superam os benefícios: além das propagandas indesejadas, há preocupações com privacidade e segurança cibernética. Por enquanto, essa opção não existe.
E, para os motoristas que realmente querem comprar uma garantia estendida com um clique, talvez haja maneiras menos intrusivas de fazer isso.

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