
O mercado automotivo chinês está mergulhado em uma crise silenciosa, mas profunda.
Com mais de 120 montadoras brigando por fatias cada vez menores do setor de veículos elétricos (EVs), o que se vê é uma guerra de preços brutal que ameaça a saúde financeira das empresas — e já preocupa o próprio presidente Xi Jinping.
O líder chinês deu um recado claro em julho: a “involução” precisa acabar. O termo, usado por Xi, refere-se à competição autodestrutiva causada pelo excesso de capacidade produtiva e investimentos desenfreados.
Na visão de Xi, a proliferação de fábricas de EVs por todo o país, muitas vezes incentivadas por governos locais, está minando a estabilidade de um setor que deveria ser um dos pilares da economia chinesa.
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E ele não está sozinho nessa preocupação. Stella Li, vice-presidente executiva da BYD — hoje a maior fabricante de EVs da China — declarou recentemente que até 100 empresas do setor podem ser eliminadas caso as medidas de Pequim avancem.

A estratégia do governo, conhecida informalmente como “campanha anti-involução”, já começou a surtir efeito.
As montadoras reduziram os descontos mais agressivos e passaram a acelerar pagamentos a fornecedores, após anos operando com prazos longos e artifícios financeiros como notas promissórias em vez de dinheiro vivo.
Mas, segundo analistas, ainda não há sinais de uma mudança estrutural.
“O que estamos vendo é um típico jogo de galinha. As empresas sabem que precisam de escala para sobreviver e estão dispostas a abrir mão do lucro no curto prazo”, afirma Bill Russo, ex-diretor da Chrysler na Ásia e hoje CEO da consultoria Automobility, em Xangai.

Enquanto isso, marcas como a Nio seguem operando no vermelho. A montadora anunciou prejuízo de US$ 1,7 bilhão no primeiro semestre e, mesmo assim, levantou mais US$ 1 bilhão por meio de venda de ações para investir em pesquisa e infraestrutura.
O apoio dos governos provinciais e dos mercados de capitais continua forte, o que dificulta uma consolidação rápida do setor. Segundo Paul Gong, analista-chefe da UBS para o setor automotivo chinês, essa limpeza no mercado “levará anos, não meses”.
Outro ponto de tensão é o impacto dessa disputa sobre a economia global. Os preços baixos dos EVs chineses estão alimentando pressões deflacionárias e ampliando o mal-estar comercial com o Ocidente.
A fatia das marcas estrangeiras no mercado chinês despencou de 60% em 2020 para apenas 30% em 2024, enquanto os consumidores migram para modelos nacionais mais tecnológicos e acessíveis.
Com margens cada vez mais apertadas, a saída para muitas montadoras tem sido a exportação.

De janeiro a agosto, a China exportou 4,3 milhões de veículos — sendo 1,5 milhão elétricos —, um salto impressionante em relação ao menos de 1 milhão exportado em 2020.
A líder da ofensiva é a BYD, que já vendeu mais de 630 mil carros fora da China este ano e mira quase 1 milhão até dezembro.
O crescimento das exportações ajuda a aliviar o excesso de produção interna, e analistas do Goldman Sachs projetam que a taxa de utilização das fábricas de EVs suba de 61% em 2024 para até 81% em 2025.
Ainda assim, a escalada nos embarques gerou críticas de autoridades ocidentais, que acusam as montadoras chinesas de “exportar seu excesso de capacidade” e desequilibrar o mercado global.
Mesmo com os primeiros sinais de intervenção, analistas acreditam que Pequim não será tão rígida a ponto de frear a transição energética que considera estratégica.
Para Russo, o governo chinês quer apenas “tirar o pé do acelerador” para evitar o colapso, mas sem mudar a direção da indústria.
Em um setor onde o volume fala mais alto que o lucro e a sobrevivência depende de escalar rápido, a verdadeira disputa agora é saber quem aguentará mais tempo sangrando.
E, para muitas montadoras, o tempo está começando a se esgotar.
[Fonte: Financial Times]
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