
Quem observa uma picape de lado já deve ter notado aquele espaço visível entre a cabine e a caçamba.
Pode parecer um detalhe de montagem, uma questão estética ou até um erro de projeto, mas essa separação tem uma razão técnica e histórica bastante importante — e tudo começa lá nos primórdios da indústria automotiva.
Desde os primeiros veículos, os carros eram construídos sobre um chassi de aço, que servia como base para montar a carroceria e, no caso das picapes, a caçamba traseira.
Essa técnica, conhecida como body-on-frame, privilegia resistência e durabilidade, mas não é famosa pelo conforto. Basta lembrar do Ford Model T: um carro tão duro que fazia seus ocupantes chacoalharem como drinques em coqueteleira nas estradas esburacadas da época.
Com o tempo, surgiu a construção em monobloco — ou unibody — onde a estrutura do veículo e a carroceria são integradas.
Mais leve e rígida, essa técnica oferece maior conforto ao rodar, além de facilitar a inclusão de zonas de deformação e outros recursos de segurança.
O marco dessa evolução foi o Lancia Lambda, de 1922, considerado o primeiro automóvel com construção unificada.
Mas quando se trata de picapes, a prioridade muda. Conforto é importante, sim, mas força, capacidade de carga e resistência fora de estrada falam mais alto. E é aí que o body-on-frame brilha.
A separação entre cabine e caçamba permite que o veículo absorva torções causadas por terrenos irregulares ou cargas pesadas sem comprometer a integridade da estrutura.
Imagine uma picape carregada com meia tonelada de peso atravessando um buraco: se a cabine e a caçamba fossem uma só peça rígida, a estrutura poderia trincar ou entortar. Com o chassi separado, cada parte do veículo pode flexionar de forma independente.
Por isso, todas as grandes picapes voltadas para trabalho pesado — como as da linha RAM, Ford F-Series ou Chevrolet Silverado — mantêm essa divisão.
Ainda que elas tenham evoluído muito em termos de tecnologia, eficiência e segurança, a essência da construção robusta permanece.
Por outro lado, há uma tendência crescente de picapes com construção monobloco, voltadas para uso urbano e familiar.
É o caso de modelos como a Ford Maverick, a Fiat Toro, a RAM Rampage, e picapes menores, como a Fiat Strada, que apostam em conforto, dirigibilidade e menor consumo de combustível.
Esses modelos atendem consumidores que não precisam de toda a brutalidade de uma picape tradicional, e por isso abrem mão do chassi separado.
Até mesmo no universo dos veículos elétricos, essa discussão aparece.
A Rivian e a Tesla, com suas R1T e Cybertruck, optaram por estruturas integradas. Já a Ford preferiu manter a F-150 Lightning com chassi tradicional, preservando a identidade e a robustez da linha.
Curiosamente, até quem nasceu unibody tenta parecer body-on-frame.
A primeira geração da Honda Ridgeline tinha a cabine e a caçamba visivelmente unificadas, mas na segunda geração, a marca adicionou uma faixa emborrachada para simular a divisão — provavelmente para agradar quem acha que picape de verdade tem que ter “aquele vão”.
No fim das contas, essa fenda entre a cabine e a caçamba é mais do que um detalhe visual: é uma linha divisória entre dois mundos.
De um lado, a força bruta e a resistência das picapes tradicionais. Do outro, a praticidade e o conforto das novas gerações.
E para quem realmente precisa encarar trilhas, rebocar trailers ou carregar peso de verdade, o vão continua sendo o selo visual da robustez.
[Fonte: Jalopnik]
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