Especial: O nascimento do Ka visto de dentro

Ford Ka 2018

Saiba quase todos os detalhes do segundo projeto mundial da Ford coordenado a partir de Camaçari, na Bahia

Por Gustavo Henrique Ruffo

Dizer que o Novo Ka foi antecedido pelo EcoSport pode parecer loucura, mas faz todo o sentido.

Não em termos de mercado, já que os modelos que ele substitui são tanto o Ka quanto o Fiesta Rocam, mas sim em termos de projeto e de importância para a engenharia brasileira.

Afinal de contas, o utilitário pequeno da Ford, pioneiro em seu segmento desde a primeira geração, foi o primeiro projeto mundial coordenado pela filial brasileira.

O Novo Ka foi o seguinte. Mas não pense você que tudo fica necessariamente mais fácil com um segundo projeto.

“A única facilidade que tivemos foi já conhecer os mercados a que o carro se destinaria e o processo de desenvolvimento mundial. Foi esse o grande diferencial do B562 (Ka) para o B515 (EcoSport).

Não foi mais tranquilo, mas a gente já sabia onde estava pisando”, diz João Marcos de Oliveira Ramos, chefe de design da Ford na América do Sul. Foi com ele e com Alex Machado, engenheiro responsável pelo projeto mundial do Novo Ka, que conversei por uma hora e meia.

Tudo para tentar contar todo o processo de nascimento do novo carro de entrada da marca americana, da concepção ao lançamento.

O projeto B562 começou a surgir em 2010, quando a Ford percebeu a necessidade de ter um novo modelo compacto mundial, do chamado segmento B, como a empresa o define.

Tanto é assim que a plataforma do carro é chamada de B Global, mas também de B1 ou B2E. “Todos os centros de desenvolvimento da Ford estavam de olho neste projeto, mas temos a vantagem de conhecer muito bem o segmento.

Cerca de 75% dos carros novos vendidos no Brasil são do segmento B”, diz Machado.

Quem queria fazer o Ka

Na disputa estavam China, Índia, EUA, Europa e até Austrália.

Um dos grandes responsáveis pela vinda do segundo projeto mundial feito por aqui foi Hau Thai-Tang, na época diretor de desenvolvimento de produtos da Ford América do Sul, ou FSAO, código interno pelo qual a divisão é tratada.

Tang foi quem batalhou para trazer o projeto para as mãos da equipe brasileira. Este vietnamita de 47 anos, que fugiu de Saigon aos 9 anos para morar em Nova York, é considerado pelos colegas o pai do Ka, mas não só.

A biografia do executivo divulgada pela Ford coloca nele “a culpa” pelo fato de a FSAO ter se tornado um centro de desenvolvimento global de produtos.

Hoje, Tang é vice-presidente mundial de compras, algo mais do que justo para alguém que ajudou a consolidar a estratégia “One Ford” como vice-presidente mundial de desenvolvimento de novos produtos, cargo que ele passou a ocupar logo depois de sair do Brasil.

Essa estratégia é a mesma que deu origem ao EcoSport, ao Ka e a boa parte dos novos produtos da marca desde 2007.

A ideia, aparentemente simples, é ter produtos comercializados em todo o planeta, sobre poucas plataformas, o que torna a escala de produção destes veículos gigantesca.

Quanto maior é a escala, menor é o preço que os componentes passam a custar. Em outras palavras, o custo unitário de um para-choque, por exemplo, é muito mais baixo se você encomenda um milhão deles em vez de 100 mil.

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Mão na massa

Com a escolha do Brasil para conceber este novo produto de entrada, Machado menciona dois momentos muito distintos. “Alan Mullaly (CEO mundial da Ford) foi quem deu a autorização para tocarmos o desenvolvimento.

Isso aconteceu depois de cada um dos cinco estúdios globais apresentar um projeto. Todos os projetos são apresentados e discutidos no mundo todo, para avaliar se estão contemplando todas as diretrizes da Ford ou se precisam de ajuste. Hoje, por exemplo, já estamos pensando na nova geração do Fiesta.

Com o anúncio de que seríamos os responsáveis pelo Ka, não chegou a haver uma comemoração, mas teve, no dia, uma euforia. No dia seguinte, o dia 2, já estávamos quebrando a cabeça para saber como daríamos conta de atingir os objetivos propostos para o carro, da melhor maneira possível”.

E as primeiras discussões foram sobre o plano de negócios. Nem poderia ser diferente. Alfred P. Sloan Jr., presidente da General Motors de 1923 a 1956, resumiu bem o que isso significa.

Em certa ocasião, ao questionar seus executivos sobre qual era o objetivo da empresa, alguém teria dito “fabricar carros”.

A resposta de Sloan é usada até hoje para contextualizar quem está fora da realidade da indústria: “Não, senhores. O objetivo da empresa é ganhar dinheiro… fabricando carros!”.

Apesar de a lição ter vindo do concorrente, todo bom executivo, de qualquer empresa, sabe bem o que ela significa. E vem seguindo o que ela determina rigorosamente. “Nossa primeira discussão foi: que mercados deveriam ser abrangidos?

O Ka foi criado para ser vendido no mundo todo. A ordem era atender à máxima quantidade de mercados, respeitando as necessidades destes mercados, mas havia aqueles que eram chave e que nos ajudaram a nortear o projeto”, diz Machado.

“Além do Brasil, tivemos de considerar Índia, China e Europa no desenvolvimento.”

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Só com cinco portas

Nas discussões de negócios, entra também um exercício de futurologia, até porque os projetos automotivos são de longo prazo. “Não basta saber como o mercado está, mas também para onde está indo.

O Brasil mudou radicalmente nos últimos 20, 15 anos. Antes, havia um mercado grande para três portas. O Ka foi líder de vendas entre os modelos de três portas, mas para onde isso está caminhando?

Vale o investimento em uma versão de três portas, por exemplo?”, pergunta Machado. Ramos completa. “Hoje, esse segmento é de carros de nicho.

Na Europa, o Fiesta tem a versão ST nessa carroceria. E não faria sentido ter um Ka de alta performance. O investimento em um três portas é muito alto.”

Questionados sobre quanto de investimento isso representaria, os executivos não falaram em valores, mas em proporções. “Fica muito perto do gasto com um novo projeto.

Se você gasta 100 em um modelo de cinco portas, gasta 80 para fazer a versão de três portas”, diz Machado. A quem cai no erro de achar que as mudanças são simples, ou pequenas, Ramos dá uma ideia de tudo que é preciso alterar. “A carroceria tem de ter uma nova estrutura.

As portas são maiores, os revestimentos são todos diferentes, é muita coisa a mudar.” A decisão, portanto, estava mais do que tomada.

“O Ka não terá versão de três portas em nenhum mercado. Mesmo na Europa, onde ainda existe mercado para carrocerias assim, ele é pequeno. Não compensa”, diz Machado.

O sedã, por outro lado, era um modelo que a Ford não poderia deixar passar. Chamado de Ka+, ele manteria a Ford em um segmento que é considerado muito promissor.

“Ele surgiu naturalmente, dentro das discussões de negócio, como oportunidade. Os três portas vem perdendo participação. Os cinco portas são nosso pãozinho quente. O modelo que poderia nos ajudar a conquistar famílias era o sedã pequeno”, diz Machado.

Para o chefe de design, o sedã também fazia todo o sentido na construção da linha da marca. “O sedã compacto prepara o cliente para a próxima etapa dentro da gama, que é o carro médio. Com isso, ele ajuda a atender o comprador que passa a ter novas necessidades.”

Personas

Com os mercados e carrocerias definidos, os times de desenvolvimento passaram à criação daquilo que chamam de personas. “Usamos como modelos os clientes típicos que queremos atender com aquele veículo.

Cada mercado tem uma persona diferente, que precisa ser atendida. Usamos essas personas para definir, em design, temas de desenvolvimento.

Seria como um desenho mais ousado, um mais clássico, outro mais racional e assim por diante, cada um deles voltado a uma dessas personas.

É para elas que pensamos em acessórios, no espaço interno que será oferecido e no design”, diz Ramos.

Machado diz que as personas são uma forma de tentar acertar o alvo, em termos de mercado. “As personas não correspondem a todo mundo que poderia comprar o carro.

São os clientes típicos, aqueles para os quais o carro foi pensado, os que o veículo visa atender.

Mas sabemos que, quando estão no mercado, eles acabam tendo apelo e agradando a muito mais gente.” As personas, portanto, são um norte para o desenvolvimento do veículo.

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Como não é possível elaborar um carro diferente, em um mesmo segmento, para cada público, essas propostas de desenvolvimento, os temas, são eliminadas ou incorporadas a outras, até que se chegue a um número menor delas.

“Existe todo um processo de criação de design. Precisamos pensar na categoria do novo modelo, nas necessidades que ele atenderá e em centenas de outras informações. Depois, partimos para os esboços iniciais, sem amarras técnicas, que é o único meio de o processo criativo realmente acontecer. Com alguns esboços escolhidos, começamos com o clay.

Vamos, então, depurando esses temas. Ao longo do processo, são feitas clínicas nos mercados em que esse carro será vendido e levamos a elas no máximo três temas.

Ali, não buscamos apenas ver se estamos certos em relação ao design, mas sim se o público reconhece nosso novo modelo como um legítimo Ford.

Todos os carros mostrados na clínica, mesmo os de outras empresas, vão sem o badge, sem o emblema da marca”, diz Ramos.

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“Os mock-ups que vão para a clínica são de fibra de vidro e, primeiro, feitos em escala reduzida. Depois, em 1:1, mas ainda sem interior.

Com a aparência externa aprovada, passamos para o interior. Tudo reproduz o veículo final com perfeição”, completa o chefe de design da Ford.

Ponto doce

As clínicas se estendem até chegar ao que os designers chamam de “sweet spot”, ou ponto doce, o ideal para o próximo passo do desenvolvimento: a engenharia.

No caso do Ka, elas foram de 2011 até o comecinho do ano seguinte. Simultaneamente, o chefe do projeto se dedicava a outra parte fundamental do processo: a formação da equipe.

“Temos hoje na Ford entre 1.500 e 2.000 engenheiros, mas cada projeto tem um time próprio, incluindo gente de todos os departamentos. No Ka, trabalharam 800 pessoas.

O primeiro desafio, quando recebemos a missão de desenvolver o compacto, foi fazer mais contratações, aumentar nosso centro de desenvolvimento.

Isso envolve uma interação maior com as universidades, em busca de novos talentos, que devem ter contato com nossos profissionais mais experientes. Tudo sem contar os grupos do exterior”, diz Machado.

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“Nos EUA, por exemplo, temos um grupo muito forte de desenvolvimento de segurança. Todos os projetos mundiais passam pelas mãos deste grupo.

Aí a gente começou a se perguntar: quem desse time virá nos ajudar no Brasil? Dos 800 profissionais envolvidos, de áreas como a financeira, de compras e de motores (que é lá do Reino Unido), nós temos 300 que são estrangeiros.

É muita gente envolvida. Para morar aqui perto de Camaçari, na Bahia, trouxemos entre 30 e 35 pessoas.

E elas não eram importantes apenas pela competência que traziam ao projeto, mas também por fazer a ponte com os times que integram fora do país”, completa o engenheiro chefe do projeto.

“Todo esse processo de contratação muda a cara da região. As universidades, os serviços, tudo sofre um impacto violento. Quando chegamos a Camaçari, por exemplo, a Bahia não tinha uma escola de engenharia com tradição.

Hoje, temos gerentes na Alemanha e nos EUA que foram formados e contratados aqui. Gente muito competente que agora ajuda a Ford no resto do mundo”, arremata Machado, que vai mais além na descrição dos processos.

“A gente não tem uma equipe propriamente dita. Temos um grupo de engenharia. Dele fazem parte especialistas em parte elétrica, em cluster, em baterias, em gerenciamento de energia…

O importante é termos todas as especialidades reunidas, de preferência com engenheiros envolvidos em mais de um projeto ao mesmo tempo, já que eles têm uma visão mais completa do que está acontecendo, para onde a empresa está caminhando.” Ramos completa.

“Em um projeto desses, as pessoas acabam criando vínculos pessoais. Tem gente que veio para o Brasil e voltou para casa casada, por exemplo!”

Pico de trabalho

Montada a equipe de desenvolvimento do Ka, definidos os rumos e a aparência do compacto, chegou o momento de partir para o trabalho mais pesado.

“2012 foi o ano de desenhar o carro final e de projetar as peças. Foi quando os 3.000 componentes do Ka passaram a ter vida, digamos assim, com o princípio das simulações técnicas e dos testes analíticos.”

Este foi, nas palavras do engenheiro chefe do projeto, o ano de pico de trabalho. Não só pelo carro que você já vê pelas ruas, mas pelo que o novo Ford Ka poderia ter sido.

“Quando primeiro começamos a falar de negócio, a gente tinha um mercado com Chevrolet Celta, Fiat Palio, bem como o Fiat Palio Fire, o próprio Ford Ka, que vendia 50% de suas unidades com direções sem assistência.

Hoje você quase não acha direção simples. Todo mundo quer a assistida. Mesmo assim, no começo, nós desenvolvemos e validamos um carro com direção simples. Sem ar-condicionado.

Com manivela para os vidros. E estávamos prontos para vender o Ka deste modo. Mas o que veio acontecendo muito rapidamente no Brasil? Para onde o mercado estava indo? Ninguém mais queria carro sem trio elétrico. Não fazia mais sentido ter um modelo pelado”, diz Machado.

“O mercado é muito rápido. Tivemos de reavaliar a estratégia. Ter 100% dos carros com rádio e Bluetooth era algo que já tínhamos definido, senão teríamos tido muito retrabalho. Mas a decisão de ter um carro completo desde o modelo mais barato veio do meio para o final do projeto.”

Ramos cita a ajuda que outros times da empresa deram nesta mudança de rumo. “Oferecer um carro completo ao cliente na propaganda e levá-lo à loja para encontrar um pelado faz o cliente se sentir enganado, segundo a equipe de marketing. E eles têm toda a razão.”

De fato, adquirir um carro pelado e equipá-lo com opcionais é um dos piores negócios que qualquer comprador de automóveis poderia fazer. Com um modelo completo, sem opcionais, a Ford dá ao cliente a chance de não perder tanto dinheiro.

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Escala em benefício do cliente

Mas isso não foi mera liberalidade da filial brasileira. O ganho de escala que o plano “One Ford” oferece permite incorporar equipamentos de segmentos superiores a preços competitivos.

Tanto que o Ford Ka é o primeiro modelo de entrada brasileiro a oferecer controle de tração e de estabilidade, que já é de série em muitos modelos de entrada europeus.

“Essa estratégia global da Ford certamente nos beneficiou por aqui”, diz Machado, que cita um aspecto do plano que não é tão evidente nos modelos: as equipes globais.

“Nosso sistema de direção elétrica, por exemplo, é o melhor que tem na linha Ford. O grupo que cuida disso fica lá na Alemanha e são eles que desenvolvem as direções de todos os carros da marca.

Com isso, o que vem de lá é o que existe de mais recente em software e tecnologia. E o Ka é o projeto mundial mais recente. Outro sistema que ninguém no segmento tem é o controle de estabilidade e de tração.

Quando você tem uma plataforma de último nível, isso vem de vantagem. E com escala.” Ramos arremata. “É muito diferente de você trabalhar com plataformas antigas. A grande beleza do novo Ka é essa utilização de uma plataforma moderna, global.”

Opiniões dissonantes

Falando desse jeito, pode parecer que o trabalho correu liso, sem sobressaltos. Não é bem assim.

“A área de design pode propor alternativas de estilo que esbarram em problemas técnicos ou no tempo de execução, mas temos um excelente alinhamento, mesmo com um dia a dia de opiniões dissonantes. Elas são importantíssimas. São elas que geram o desconforto e a busca de novas ideias.

Tivemos, em todo o processo, uma maturidade muito grande. Tínhamos sempre o questionamento: qual é a necessidade do outro? Todo mundo sabia até onde podia caminhar com suas solicitações”, diz Machado.

Ramos explica a mesma coisa de uma outra maneira. “A gente é um grupo muito coeso. Todos tinham o mesmo objetivo: o de entregar o melhor modelo de entrada do mercado.”

O chefe do projeto lembra de algumas ocasiões de ótima parceria entre a engenharia e o design, consideradas em diversas montadoras áreas em permanente conflito.

“Temos três ótimos exemplos de alinhamento entre engenharia e design. O primeiro deles é o projeto de aerodinâmica do Ka. Você vê muitos vincos na carroceria. E cada um deles foi exaustivamente alterado. Trabalhamos neles em túnel de vento, mudávamos os vincos nos modelos de proporções menores e fazíamos interações para evitar turbulências.

Foram milhares de horas de esforço, mas o resultado é que nosso coeficiente de arrasto é muito melhor que o dos carros da concorrência, algo que gera, por baixo, uns 5% de economia de combustível”, diz Machado.

“Tudo isso e o carro ainda tinha de ficar bonito, senão não venderia”, diz Ramos. “Pois é”, diz Machado. “E o formato de gota é o ideal, mas não dá para lançar um carro parecido com uma gota de jeito nenhum…”

“O segundo exemplo de bons resultados da colaboração entre design e engenharia é a posição de dirigir do Ka. Você está 100% alinhado na posição correta. Isso aumenta o envolvimento do motorista, que fica totalmente acomodado. Os controles de áudio estão ao alcance das mãos, a ergonomia é exemplar…

Foi um trabalho de maturidade de engenharia muito difícil”, diz Machado. “Todos os controles são de fácil acesso. A ergonomia é excelente. A área envidraçada é grande e você pode colocar alguém de 1,95 m para dirigir que não haverá desconforto”, diz Ramos.

“Por fim, o terceiro exemplo é o dos bancos traseiros. O Ka usa a mesma plataforma do New Fiesta, mas, no Fiesta, o design é mais charmoso. O intuito do Ka é ser um carro mais racional.

Conseguimos elevar o ponto H do banco traseiro, inclinar as costas do banco traseiro e aumentamos muito o ângulo dos joelhos. Foi um trabalho exaustivo, mas voltado a acomodar confortavelmente as três pessoas que o carro leva ali. Temos certeza de que o resultado vai agradar”, diz Machado.

O chefe de design do Ka recupera um dado importante. “Isso também tem a ver com o trabalho de aerodinâmica. A do Ka é ótima para um hatch que, ainda por cima, é alto. Hatchbacks têm mais turbulência na traseira, ao contrário dos sedãs.

Além da preocupação com aerodinâmica, também queríamos um espaço interno campeão. Fizemos um trabalho extenso de packaging”, diz Ramos.

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A parte final

A maior parte deste quebra-cabeças foi montado em 2012. O ano seguinte, por exemplo, foi dedicado às validações finais e à construção de protótipos.

“Em uma primeira fase, os chamados protótipos de atributos possuem a parte inferior da carroceria, o chassis e o powertrain representativos do veículo final. Nesta fase, a parte de cima da carroceria vem, em geral, de um produto existente. São protótipos normalmente chamados pela imprensa de ‘mulas’.

No caso do Novo Ka, a primeira fase de protótipos foi feita com a parte superior da carroceria do New Fiesta.

A construção é feita por mecânicos e técnicos gabaritados e de acordo com rigorosos processos de controle e certificação da montagem, de maneira que a representatividade técnica do veículo seja assegurada para fins de testes e validações de engenharia”, diz Machado.

Depois das mulas, chega o momento de colocar o carro finalizado para rodar.

“A segunda fase de protótipos possui também a parte superior da carroceria e o interior do veículo representativos do projeto final. Nesta fase, a montagem é feita em uma espécie de mini-fábrica, dedicada para a construção de protótipos. Alguns dos meios utilizados nessa ‘mini-fábrica’ já simulam processos da manufatura final do veículo.

Desta forma, a construção destes protótipos ‘finais’ deixa de ser um processo essencialmente artesanal, se aproximando de uma produção em série.

Ainda assim, a mão de obra empregada é experiente e altamente especializada, não somente para assegurar a qualidade da construção, mas também para fornecer à engenharia sugestões e oportunidades de melhoria do projeto que facilitarão a montagem do veículo em série, posteriormente”, diz Machado.

A ergonomia de construção do novo veículo é um dos fatores mais importantes no processo. Se um veículo ameaça a saúde dos operários e tende a aumentar o número de RM (restrições médicas, nome dado aos funcionários que sofreram algum tipo de problema nas linhas de montagem e não podem trabalhar em todas as funções).

Ao todo, foram produzidos 150 protótipos, incluindo as mulas, que rodaram pelo Brasil, mas também por México, Alemanha, Índia, EUA e Reino Unido, lugares onde eles foram flagrados mais de uma vez. “

Alguns foram montados no Brasil e outros construídos na Alemanha, em Colônia”, diz Machado.

No que se refere à validação final do veículo, o engenheiro nos dá uma ideia da complexidade do processo. “A validação de um automóvel da Ford inclui a verificação de mais de 5.000 testes e avaliações que fazem parte dos requerimentos corporativos de engenharia.

Estes testes e avaliações abrangem não só os diferentes sistemas veiculares (carroceria e estruturas, interior, chassis, powertrain e elétrica), mas também o acerto dos atributos (durabilidade, dinâmica, desempenho, economia de combustível, ruído e vibrações, segurança, corrosão etc.).

Neste processo de validação estão incluídos testes de componentes específicos em bancadas e testes veiculares utilizando protótipos.

Nos testes veiculares, os diferentes sistemas que compõem o veículo (onde os componentes estão inseridos) são avaliados tanto em laboratórios de testes (túneis de vento, dinamômetro de chassis, câmaras climáticas etc.) como também em diferentes tipos de pista de rodagem (asfalto seco e molhado, asfalto ruim, asfalto remendado, terra, pedrisco, paralelepípedo, lombadas etc.).”

Foi um longo caminho até 2014, ano em que restou à Ford fazer ajustes de ferramentas e de tolerâncias.

“As mudanças feitas na linha de estamparia e montagem em Camaçari foram para acomodar os novos moldes e robôs empregados na produção do Novo Ka, assim como garantir a continuidade da produção dos veículos atuais com o novo lançamento.

A tolerância entre as peças varia dependendo da interface entre as mesmas. As peças do interior do veículo, por exemplo, possuem menores espaçamentos do que as peças móveis do exterior, como portas e capô. As tolerâncias de espaçamento do Novo Ka seguem o padrão Global da Ford, adotado nos EUA, Europa e também na América do Sul”, diz Machado.

A etapa final, de lançamento do carro, não deu menos trabalho que as demais. “Os preparativos para o lançamento do Novo Ka envolveram praticamente toda a companhia no Brasil e em muitas áreas no exterior.

Foram diversos eventos, liderados pelas equipes de Imprensa e Marketing, mas com participação importante dos times de Logística, Manufatura e Engenharia, de maneira a assegurar o cumprimento dos prazos e a preparação dos materiais técnicos para suportar o lançamento e a divulgação do veículo”, diz Machado.

Todo esse cuidado não impede alguns percalços. O Ka já teve seu primeiro recall anunciado, envolvendo 219 unidades do carro, ou cem unidades a menos do que ele vendeu em seu primeiro mês, 319, em apenas parte de agosto. O miolo da partida pode girar sozinho e desligar o carro em movimento.

Lamentavelmente, há quem veja os recalls como algo negativo. Para estes, vale lembrar dos tempos de recalls brancos, nos quais os defeitos eram jogados para debaixo do tapete e os acidentes creditados ao motorista ou a qualquer outro problema que não o carro.

Independentemente disso, e na falta de uma montadora para chamar de sua, a engenharia e o design brasileiros têm muito de que se orgulhar com feitos como o da Ford.

“Hoje podemos afirmar com seguranca que a Ford no Brasil é uma das poucas organizações que possui capacidade técnica e de liderança para desenvolver um automóvel desde a sua concepção até o lançamento final ao cliente, com colaboradores brasileiros, representando praticamente todos os Estados, além de contar com suporte e conhecimento dos melhores especialistas do mundo em desenvolvimento de engenharia e manufatura.”

Vale lembrar que o nosso Ka será vendido em diversas partes do planeta, com nomes diferentes. Na Índia, será o sucessor do Figo, um Fiesta Rocam com linhas diferentes.

Na Europa, estamos curiosos para saber como será batizado. Tenha o nome que for, o Ka é produto brasileiro, mesmo quando for feito fora daqui.

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gustavo ruffo
Autor: Gustavo Henrique Ruffo

Gustavo Henrique Ruffo é jornalista especializado em automóveis desde 1998. Mas não se limita a eles. Virou jornalista porque ama escrever.